Chico Buarque – A Cidade Ideal

“Indicação” nº 32 do dia:

A Cidade Ideal

Cachorro:
A cidade ideal dum cachorro
Tem um poste por metro quadrado
Não tem carro, não corro, não morro
E também nunca fico apertado

Galinha:
A cidade ideal da galinha
Tem as ruas cheias de minhoca
A barriga fica tão quentinha
Que transforma o milho em pipoca

Crianças:
Atenção porque nesta cidade

Corre-se a toda velocidade
E atenção que o negócio está preto
Restaurante assando galeto

Todos:
Mas não, mas não

O sonho é meu e eu sonho que
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
Fossem somente crianças
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
E os pintores e os vendedores
Fossem somente crianças

Gata:
A cidade ideal de uma gata
É um prato de tripa fresquinha
Tem sardinha num bonde de lata
Tem alcatra no final da linha

Jumento:
Jumento é velho, velho e sabido

E por isso já está prevenido
A cidade é uma estranha senhora
Que hoje sorri e amanhã te devora

Crianças:
Atenção que o jumento é sabido
É melhor ficar bem prevenido
E olha, gata, que a tua pelica
Vai virar uma bela cuíca

Todos:
Mas não, mas não
O sonho é meu e eu sonho que
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
Fossem somente crianças
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores

E os pintores e os vendedores
As senhoras e os senhores
E os guardas e os inspetores
Fossem somente crianças

Chico Buarque – A Cidade dos Artistas

“Indicação” nº 31 do dia:

A Cidade Dos Artistas

Na cidade
Ser artista
É posar sorridente
É ver se de repente
Sai numa revista

É esperar que o orelhão
Complete a ligação
Confirmando a excursão
Que te leva ao Japão
Com o teu pianista
E antes que
O sol desponte
Contemplando
O horizonte

Conceder entrevistas
Aos outros artistas
Debaixo da ponte

Na cidade
Ser artista
É subir na cadeira
Engolindo peixeira
É empolgar o turista
É beber formicida
É cuspir labareda
É olhar a praça lotando
E o chapéu estufando
De tanta moeda

É cair de joelhos
É dar graças ao céu
Lá se foi o turista
O dinheiro, a peixeira
A cadeira e o chapéu

Ser artista
Na cidade
É comer um fiapo
É vestir um farrapo
É ficar à vontade
É vagar pela noite
É ser um vaga-lume
É catar uma guimba
É tomar uma pinga
É pintar um tapume
É não ser quase nada
É não ter documento

Até que o rapa te pega
Te dobra, te amassa
E te joga lá dentro