Chico Buarque – A Pousada do bom Barão

“Indicação” nº 35 do dia:

A Pousada do Bom Barão

TODOS
Vamos tratar uma hospedagem
Pra descansar e seguir viagem

GATA
Olha que linda aquela pensão
Se chama “Pousada do bom barão”

JUMENTO
Para mim, esse nome, não sei não

GALINHA
Já tou por aqui de tanto barão

GATA
Mas vamos, mas vamos, não custa tentar
É só pruma noite e depois se mandar

CACHORRO
Ai, ai, ali tem uma placa
Que cheira a uma bruta urucubaca

TODOS
Proibida a entrada
Exijo gravata e dados pessoais
Proibido aos mendigos e aos animais
Ahhhhhhhhhhhhhh!!!

JUMENTO
Puxa, puxa, que desacato
Eu, afinal, sou jumento ou rato?

CACHORRO
Poxa, poxa, que desrespeito
Se duvidar, eu entro no peito

GALINHA
Cacilda, cacilda, que bela tramóia
Já tava pensando numa bóia

GATA
Que bode, que bode, mas isso é o fim
Parece que todos estão contra mim

CRIANÇAS
Tentem olhar ali pela janela
Quem sabe não tem ninguém dentro dela
E se for assim vocês podem entrar
Fazer uma boca e se arrancar

JUMENTO
Puxa, puxa, o que é que estou vendo?
Vivendo e aprendendo, vivendo e
aprendendo
Tem quatro pessoas naquele salão
E uma das quatro é o meu patrão

CACHORRO
Poxa, poxa, vejam vocês
É o meu patrão já com os outros três

GATA
Que grilo, que grilo, não é uma boa
Aquela coroa é a minha patroa

GALINHA
Cacilda, cacilda, coisa de maluco
É o meu patrão que tá com o trabuco

CRIANÇAS
Caramba, caramba, como é que é
Eu acho que é hora de dar no pé
Pra quem não quiser entrar de gaiato
O melhor negócio é dormir no mato

TODOS
Caramba, caramba, como é que é
Eu acho que é hora de dar no pé
Pra quem não quiser entrar de gaiato
O melhor negócio é dormir no mato

JUMENTO
Porém, porém, já tou fulo da vida
Ter toda a razão e nenhuma comida

CACHORRO
A minha barriga não se acostuma
A ter toda razão e comida nenhuma

GALINHA
Porém, porém, já me sinto aflita
Me sinto assada, acho que tou frita

GATA
É já, é já, vamos sentar a pua
Botar os safados no meio da rua

TODOS
Quatro juntos braços dados
Damos o fora nesses safados
Braços dados juntos quatro
Chutar os safados pra fora do teatro
Dados juntos quatro braços
E esses safados já tão no bagaço
Quatro braços dados juntos
E esses safados vão virar presunto

Chico Buarque – A Galinha

“Indicação” nº 33 do dia:

A Galinha

Todo ovo
Que eu choco
Me toco
De novo
Todo ovo
É a cara
É a clara
Do vovô

Mas fiquei
Bloqueada
E agora
De noite
Só sonho
Gemada

A escassa produção
Alarma o patrão
As galinhas sérias
Jamais tiram férias
“Estás velha, te perdôo
Tu ficas na granja
Em forma de canja”

Ah !!! é esse o meu troco
Por anos de choco???
Dei-lhe uma bicada
E fugi, chocada

Quero cantar
Na ronda
Na crista
Da onda

Pois um bico a mais
Só faz mais feliz
A grande gaiola
Do meu país

Chico Buarque – A Cidade Ideal

“Indicação” nº 32 do dia:

A Cidade Ideal

Cachorro:
A cidade ideal dum cachorro
Tem um poste por metro quadrado
Não tem carro, não corro, não morro
E também nunca fico apertado

Galinha:
A cidade ideal da galinha
Tem as ruas cheias de minhoca
A barriga fica tão quentinha
Que transforma o milho em pipoca

Crianças:
Atenção porque nesta cidade

Corre-se a toda velocidade
E atenção que o negócio está preto
Restaurante assando galeto

Todos:
Mas não, mas não

O sonho é meu e eu sonho que
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
Fossem somente crianças
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
E os pintores e os vendedores
Fossem somente crianças

Gata:
A cidade ideal de uma gata
É um prato de tripa fresquinha
Tem sardinha num bonde de lata
Tem alcatra no final da linha

Jumento:
Jumento é velho, velho e sabido

E por isso já está prevenido
A cidade é uma estranha senhora
Que hoje sorri e amanhã te devora

Crianças:
Atenção que o jumento é sabido
É melhor ficar bem prevenido
E olha, gata, que a tua pelica
Vai virar uma bela cuíca

Todos:
Mas não, mas não
O sonho é meu e eu sonho que
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
Fossem somente crianças
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores

E os pintores e os vendedores
As senhoras e os senhores
E os guardas e os inspetores
Fossem somente crianças

Chico Buarque – A Cidade dos Artistas

“Indicação” nº 31 do dia:

A Cidade Dos Artistas

Na cidade
Ser artista
É posar sorridente
É ver se de repente
Sai numa revista

É esperar que o orelhão
Complete a ligação
Confirmando a excursão
Que te leva ao Japão
Com o teu pianista
E antes que
O sol desponte
Contemplando
O horizonte

Conceder entrevistas
Aos outros artistas
Debaixo da ponte

Na cidade
Ser artista
É subir na cadeira
Engolindo peixeira
É empolgar o turista
É beber formicida
É cuspir labareda
É olhar a praça lotando
E o chapéu estufando
De tanta moeda

É cair de joelhos
É dar graças ao céu
Lá se foi o turista
O dinheiro, a peixeira
A cadeira e o chapéu

Ser artista
Na cidade
É comer um fiapo
É vestir um farrapo
É ficar à vontade
É vagar pela noite
É ser um vaga-lume
É catar uma guimba
É tomar uma pinga
É pintar um tapume
É não ser quase nada
É não ter documento

Até que o rapa te pega
Te dobra, te amassa
E te joga lá dentro