Chico Buarque – Embebedado

“Indicação” nº 14 do dia:

Embebedado

Pendurado de banda
No vão da varanda
Do prédio a rodar,

Não sei mais se é o mundo
Que cai aos meus pés
Ou de pernas pro ar;

Embebedado de você.
Tonto na beirada da

Tentação de cair e voar,
Até me aninhar em você,

Mal parado num muro
Sem prumo, em que estudo
Onde me equilibrar.

Entre o chão e o barraco
De estrelas que cai
No que foi nosso lar.

Abandonado por você,
Louco querendo mamar

Do segredo da vida e gritar
Até me agarrar em você.

Arrastado por dentro
Ao meu próprio espetáculo
Em tal patamar

Pela mão da sereia.
Que vai se tornando
A sirene a soar.

Convidado de luxo
A deixar a ribalta de amar

Pela escada de incêndio e baixar
Até me assistir escapar você.

Muito embora indo embora,
Eu mesmo mentindo
Devo argumentar:

Sou a sobra do efeito
Cascata da vodca
E desse luar.

Caetano Veloso – Fora de Ordem

“Indicação” nº 13 do dia:

Fora de Ordem

Vapor barato, um mero serviçal do narcotráfico

Foi encontrado na ruína de uma escola em construção

Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína

Tudo é menino, menina, no olho da rua

O asfalto, a ponte, o viaduto ganindo pra lua

Nada continua

E o cano da pistola que as crianças mordem

Reflete todas as cores da paisagem da cidade que é muito

Mais bonita e
Muito mais intensa do que no cartão postal

Alguma coisa está fora da ordem

Fora da nova ordem mundial…

Escuras coxas duras tuas duas de acrobata mulata

Tua batata da perna moderna, a trupe intrépida em que fluis

Te encontro em Sampa de onde mal se vê quem sobe ou desce a rampa

Alguma coisa em nossa transa é quase luz forte demais

Parece pôr tudo à prova, parece fogo, parece, parece paz

Parece paz

Pletora de alegria, um show de Jorge Benjor dentro de nós

É muito, é muito, é grande, é total

Alguma coisa está fora da ordem

Fora da nova ordem mundial…

Meu canto esconde-se como um bando de Ianomâmis na floresta

Na minha testa caem, vêm colar-se plumas de um velho cocar

Estou de pé em cima do monte de imundo lixo baiano

Cuspo chicletes do ódio no esgoto exposto do Leblon

Mas retribuo a piscadela do garoto de frente do Trianon

Eu sei o que é bom

Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem

Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final

Alguma coisa está fora da ordem

Fora da nova ordem mundial…